Desde os anais da História dos Homens não tem faltado aqueles que devotadamente tem dado o seu contributo a esta com as suas valorosas prosaicas. Em pleno sec XXI e adepto confesso das novas tecnologias rendo-me por fim a criação deste blog. Com a minha escrita não pretendo iluminar o Mundo no entanto, com a meia dúzia de habitues que certamente obterei e digo-o isento de qualquer laivo de auto-lisonja, dou por cumprido o meu ensejo.
Boa Leitura!

20110806

Manual de Português para os jejuadores


Atento ao facto de estarmos num mês particularmente relevante para a agenda dos professantes da religião islâmica, eis o meu contributo: (a pedido é claro, de muitos Ilustres e pese embora a minha formação seja na área das ciências jurídicas, e sem qualquer pretensiosismo na área linguista)

Meus Caros, vamos lá aprender a falar a nossa língua vernácula como deve de ser!

1. EU JEJUO

Pelo Amor de Deus, não digam eu faço jejum. Isso não faz sentido absolutamente nenhum! jejuar e o seu acto consubstancia-se num verbo da 1ª conjugação, i.e deverá dizer-se EU JEJUO, TU JEJUAS e por aí fora..

Nem o famoso " hi rojo rakhi ai " do dialecto catchi (memoni) traduzir-se-a para ele fez jejum, outrossim deverá conjugar-se o verbo desta no passado, i.e ELE JEJUOU.

2. A JEJUAR
O Status quo do jejuador é naturalmente conforme ao acto de jejuar.

Permitam-me aqui, uma nota.
Jejum é uma palavra usada para definir de modo algo amplo o decréscimo da dieta alimentar próximo a valores nulos, de modo pré-determinado. Pratica-se em razão de várias crenças, quer sejam estas de ordem política, moral, medicinal e sobretudo religiosa.

No caso dos muçulmanos que comem frugalmente após o pôr-do-sol, estes não estão de jejum, não estão em jejum (isso seria se nada tivessem ingerido), estão sim a jejuar! (Em Nome de Deus, O Misercordiador)

3. Não se abre o jejum, QUEBRA-SE.
O fiel não abre o jejum, não parte o jejum, quebra o jejum!

Portanto de nada nos serve a formula farisaica " Vamos abrir o jejum juntos? "
Prefiram o uso de " Vamos quebrar o jejum conjuntamente! "

Por outro lado e por último também não se fecha o jejum, devendo evitar-se o uso desta forma, abonando sim o início do jejum.

E nada mais nos compete, senão a transmissão da lúcida Mensagem.
(Alcorão Sagrado, Surata YÁ-SIN, vers.17 - 36:17)

20110510

Cinema Scala

Como encarar o acto sacrílego que transformou o café com o mesmo nome, de um dos maiores templos da sétima arte em Moçambique numa inexpressiva loja de roupas e de pecas de viaturas?


Apesar de raras as sessões de cinema a que se podem assistir, o cinema Scala quer como memória, quer como tesouro arquitectónico, é um alimento nostálgico do imaginário de uma cidade que ali fez cruzar gerações de cinéfilos e de simples espectadores. Mais do que emblema de um tempo e lugar, e sobretudo de uma paixão colectiva, o cinema SCALA representa hoje, na sua dimensão residual, o declínio de um conceito cultural e civilizacional.

Jardim Tunduru


Existindo desde 1885, ex-jardim Vasco da Gama, este é o mais antigo ex-libris da cidade de Maputo. Lugar que devia ser espaço de retiro, tranquilidade, meditação, deleite e instrução (trata-se afinal de um verdadeiro jardim botânico com uma diversidade de plantas e arvores invejável) é hoje uma sombra degradada de um espaço que já teve melhores dias.
Situado bem no coração da capital, resistindo ao tempo e a incúria como o seu pulmão verde, o jardim Tunduru nao deixa indiferentes os citadinos e os visitantes que diariamente cruzam este santuário de vegetação.

Estação dos CFM

Tudo aquilo que de mais belo se possa dizer ou escrever a respeito deste, esbate de imediato na beleza abundante deste marco histórico.

Monumento centenário, foi inaugurada a 19 de Marco de 1910.

É um dos lugares onde inequivocamente repousa a alma da cidade. Redundante sera falar da majestade e da beleza do edifício, considerada a sétima estacão mais bela do Mundo!!

Espécie de monstro semi-adormecido, dele emanam rumores e vibrações que foram resistindo à passagem do tempo, nos cem anos da sua existência e nas reentrâncias da sua grandiosa estrutura. Ali cruzam-se historias privadas e colectivas, homens e mulheres de todas as raças, classes, nações, grandezas e misérias de ordem vária.

Se Catedral


Bem ao lado do Conselho Municipal e construída em 1944, em forma de uma Cruz na horizontal, trata-se de uma pérola da arquitectura sacra em que a passagem do tempo vai concorrendo para consolidar a sua condição de templo sagrado.
Seja o exterior ou no interior, estamos perante uma obra de arte digna de uma contemplação silenciosa e prolongada.
Os efeitos policromáticos trazidos pelos seus vitrais, sob a intensa radiação solar da cidade de Maputo, sao uma celebração inesquecível para a vista.


Conselho Municipal


Claramente um dos maiores símbolos arquitectonicos da presenca colonial portuguesa em Moçambique.
Imponente e belo este é um edificio que, se para os citadinos e já uma peça de mobiliário, para quem vem de fora, mesmo que nao seja pela primeira vez, é objecto de uma atenção deslumbrada.

Livraria Minerva Central


Responsável pela formação e consolidação de elites letradas em Moçambique, e uma livraria centenária (fundada em 1908 por João António de Carvalho) que há muito deixou de ser apenas um negocio de família, para se assumir como espaço privilegiado de gestão da intelligentsia moçambicana. E um caso notável de perseverança e de sobrevivência perante o crescente e generalizado descaso pelo livro.

Imagem Livraria Minerva

Restaurante Costa do Sol


Maputo é hoje, sem duvida, um destino gastronómico apetecível. Quer na variedade da cozinha: moçambicana (ainda muito tímida a nível da restauração), portuguesa, sul-africana, tailandesa, indiana quer na qualidade dos pratos e, já em muitos casos dos próprios serviços.

Sair para almoçar ou jantar, o dilema é, vezes sem conta, escolher.

Mas o Restaurante Costa do Sol distingue-se sem dúvida pela sua própria história. Inaugurado em 1938 pela família Petrakis e mais do que um lugar de pasto e de convívio: é um verdadeiro monumento.

Xipamanine


Nome em que se confunde um mercado histórico com o bairro onde se situa. Berço de trajectórias singulares, e sobretudo o seu mercado que multicolorido, ruidoso e labiríntico que capitaliza as atenções de quem, visita Maputo e encontra nas idiossincrasias dos costumes o seu principal atractivo.

Mafalala


Bairro mitico, por excelência, espaço onde se intersectam múltiplos imaginários, etnias e raças, berço de sagas individuais e colectivas que permitiram a projecção de Moçambique pelo mundo fora. Reza a história que o bairro foi criado por habitantes das Comores para emigrados no inicio do Séc. XX.
Talvez se manifeste assim, de forma convicta a vocação indica de todo um pais.

Imagem (Casa onde nasceu Eusebio, bairro da Mafalala)

Ex-Libris


Originalmente significando o modo, desenho ou divisa atraves do qual o dono identificava um livro como seu, ex-libris, expressão de origem latina, passou com o tempo, a ter o sentido de característica ou marca importante de alguém, de um povo ou de uma cidade.

É por isso comum, ouvirmos referencias em relação a um determinado edificio como sendo um ex-libris de um certo lugar.

Nao resisto pois, a tentação de apontar aquelas que considero serem as 12 legendas (poderiam ser mais, naturalmente) que concorrem para uma certa imagem de marca de uma cidade como Maputo.

Obviamente, toda a objectividade que se possa aqui pretender esgota-se, comprometida pela carga de subjectividade própria de quem faz este tipo de juízo, em que a sensibilidade, percepção e conhecimento empírico individuais acabam por jogar um papel decisivo.

Acredito, também, que nao haverá propriamente grandes novidades nesta escolha, contudo e a forma que encontrei para prestar tributo a uma cidade que se confunde com a história moderna deste pais. Há, isso sim, o olhar nostálgico de quem sente profundamente a passagem erosiva e transfiguradora do tempo.

Nao estabeleci nenhuma hierarquia em relação a ordem como cada um destes lugares de referencia vao surgindo.. Boa Leitura!

20110424

A partida


Com a azafama habitual precedente a qualquer viagem dita comum, e com os afazeres profissionais e despedidas a amontoarem-se, pouco mais levo na bagagem que a escassa informação que fui recolhendo aqui e ali. Afinal, Moçambique e a terra de muitos com quem tenho o prazer de conviver. Levo igualmente uma grande abertura de espirito e de horizontes leia-se, compatível com a Nação para a qual me dirijo. Deixo aqui uma nota a este respeito: e imperativo máximo um partipris limpo como pressuposto para um julgamento sensato, justo. Doutro modo cairemos na condição do ser comum, vulgar, que ao inves de aproveitar a oportunidade de estreitar ligações e embarcar neste mundo de multiculturalidade esta sempre preocupado com o seu umbigo, vindo ao de cima a mesquinhice e tacanhice próprias desta gaiola.

Entro num longo voo da LAM (para assim sentir o cheiro de Africa logo a cabeca) com destino a Maputo, antiga Lourenço Marques. Ainda hoje a minha Mãe se recusa a dizer o nome de Maputo, creio que como forma de revolta pela barbárie em que se transformou outrora a cidade de sonho de seu tempo. Muita tinta jorrou, e fica a lembrança da velha e já esquecida LM que certamente fazia inveja a muitas cidades europeias de então.
Ansioso com o que me esperava, mordiscava o sono, de quando em quando e depois regressava ao meu iPad, como se nunca tivesse havido interrupção. Perante casos que, em outro homem teriam sido motivo de tristeza e ressentimento, postulo uma tentativa de generosidade sem limites. Não perdoo. Entendo. O perdão pressupoe um juízo de valor, uma pretensão de superioridade. O que me exijo e algo diferente: a compreensão dos outros e do mundo.

Dentro desta viagem de avião acontecia uma outra viagem. Como se a vida me desse a oportunidade de partilhar segredos que, noutras circunstâncias, teriam ficado sem verbo. Longe do chão e acima das nuvens, há uma nação de que ninguém toma posse nunca. Essa ausência de lugar convida-nos a rebuscar o baú das lembranças e a confessarmos intimidades que acreditaríamos não partilhar nunca com ninguém.

O que e afinal, Moçambique? Por muito que se ame esta pátria e apesar de todos enchermos a boca para falarmos da presente sociedade de informação em que todos vivemos, muita gente a desconhece por completo. O planeta esta cheio de bandeiras. Para milhões de pessoas, o nome de Moçambique não diz muito. Para esses, Moçambique não existe. Ou, mais grave ainda: só existe na desgraça, na guerra ou na doença. Vezes sem conta me deixei embalar pelas irrepetiveis historias que o meu Avo me contava de xai xai, ou das suas longas viagens por Inhambane.

Nos anos 70, de visita a Indonésia, o mesmo avo foi confrontado com a estranheza de um porteiro do hotel onde se alojara: " o senhor e mesmo português?! Pensei que os portugueses fossem todos negros. " o porteiro assistira em Jakarta a uma corrida de toiros e ficara fascinado com o matador Ricardo Chibanga. Para alem de Chibanga, o homem só conhecera um outro português de nome Eusébio, a coqueluche das estrelas do futebol da época. Nos dias que correm, cito a Mariza, também ela moçambicana. A percentagem de moçambicanos entre a comunidade africana em Lisboa nunca foi muito elevada. Não deixa de ser particularmente curioso que sejam moçambicanos algumas das figuras mais emblemáticas de Portugal.

Os primeiros africanos, provenientes do actual reino de Marrocos, chegaram a Portugal como comerciantes. Muito mais tarde, com o inicio da aventura marítima, desembarcariam nos portos portugueses milhares e milhares de escravos negros. Estima-se que no Séc.XVI, pelo menos doze por cento da população lisboeta teria origem africana.

O Marques de Pombal, como tantas outros ilustres da vida política e cultural portuguesa, era de origem angolana. A toponímia de Lisboa ainda e prova viva do seu passado africano: penso na Mouraria, Rua das Pretas ou na Calcada do Poço dos Negros.

Permito-me portanto concluir que todos Nos estamos envoltos nesta mistura revigorante e num regresso a Mouraria e ao principio de tudo, quando africanos mouros e morenos atravessaram o Mar Mediterrâneo para colonizar terras que viriam outrossim a ser Portugal.

Começo no cantinho do aziz e espero acabar em plena pérola do Indico a comer uns camarões a ponta do sol.

Em história nada se perde completamente, tudo se renova e recria!