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Com a azafama habitual precedente a qualquer viagem dita comum, e com os afazeres profissionais e despedidas a amontoarem-se, pouco mais levo na bagagem que a escassa informação que fui recolhendo aqui e ali. Afinal, Moçambique e a terra de muitos com quem tenho o prazer de conviver. Levo igualmente uma grande abertura de espirito e de horizontes leia-se, compatível com a Nação para a qual me dirijo. Deixo aqui uma nota a este respeito: e imperativo máximo um partipris limpo como pressuposto para um julgamento sensato, justo. Doutro modo cairemos na condição do ser comum, vulgar, que ao inves de aproveitar a oportunidade de estreitar ligações e embarcar neste mundo de multiculturalidade esta sempre preocupado com o seu umbigo, vindo ao de cima a mesquinhice e tacanhice próprias desta gaiola.
Entro num longo voo da LAM (para assim sentir o cheiro de Africa logo a cabeca) com destino a Maputo, antiga Lourenço Marques. Ainda hoje a minha Mãe se recusa a dizer o nome de Maputo, creio que como forma de revolta pela barbárie em que se transformou outrora a cidade de sonho de seu tempo. Muita tinta jorrou, e fica a lembrança da velha e já esquecida LM que certamente fazia inveja a muitas cidades europeias de então.
Ansioso com o que me esperava, mordiscava o sono, de quando em quando e depois regressava ao meu iPad, como se nunca tivesse havido interrupção. Perante casos que, em outro homem teriam sido motivo de tristeza e ressentimento, postulo uma tentativa de generosidade sem limites. Não perdoo. Entendo. O perdão pressupoe um juízo de valor, uma pretensão de superioridade. O que me exijo e algo diferente: a compreensão dos outros e do mundo.
Dentro desta viagem de avião acontecia uma outra viagem. Como se a vida me desse a oportunidade de partilhar segredos que, noutras circunstâncias, teriam ficado sem verbo. Longe do chão e acima das nuvens, há uma nação de que ninguém toma posse nunca. Essa ausência de lugar convida-nos a rebuscar o baú das lembranças e a confessarmos intimidades que acreditaríamos não partilhar nunca com ninguém.
O que e afinal, Moçambique? Por muito que se ame esta pátria e apesar de todos enchermos a boca para falarmos da presente sociedade de informação em que todos vivemos, muita gente a desconhece por completo. O planeta esta cheio de bandeiras. Para milhões de pessoas, o nome de Moçambique não diz muito. Para esses, Moçambique não existe. Ou, mais grave ainda: só existe na desgraça, na guerra ou na doença. Vezes sem conta me deixei embalar pelas irrepetiveis historias que o meu Avo me contava de xai xai, ou das suas longas viagens por Inhambane.
Nos anos 70, de visita a Indonésia, o mesmo avo foi confrontado com a estranheza de um porteiro do hotel onde se alojara: " o senhor e mesmo português?! Pensei que os portugueses fossem todos negros. " o porteiro assistira em Jakarta a uma corrida de toiros e ficara fascinado com o matador Ricardo Chibanga. Para alem de Chibanga, o homem só conhecera um outro português de nome Eusébio, a coqueluche das estrelas do futebol da época. Nos dias que correm, cito a Mariza, também ela moçambicana. A percentagem de moçambicanos entre a comunidade africana em Lisboa nunca foi muito elevada. Não deixa de ser particularmente curioso que sejam moçambicanos algumas das figuras mais emblemáticas de Portugal.
Os primeiros africanos, provenientes do actual reino de Marrocos, chegaram a Portugal como comerciantes. Muito mais tarde, com o inicio da aventura marítima, desembarcariam nos portos portugueses milhares e milhares de escravos negros. Estima-se que no Séc.XVI, pelo menos doze por cento da população lisboeta teria origem africana.
O Marques de Pombal, como tantas outros ilustres da vida política e cultural portuguesa, era de origem angolana. A toponímia de Lisboa ainda e prova viva do seu passado africano: penso na Mouraria, Rua das Pretas ou na Calcada do Poço dos Negros.
Permito-me portanto concluir que todos Nos estamos envoltos nesta mistura revigorante e num regresso a Mouraria e ao principio de tudo, quando africanos mouros e morenos atravessaram o Mar Mediterrâneo para colonizar terras que viriam outrossim a ser Portugal.
Começo no cantinho do aziz e espero acabar em plena pérola do Indico a comer uns camarões a ponta do sol.
Em história nada se perde completamente, tudo se renova e recria!